Como a ciência, a psicologia, o coaching e relatos de quem chegou lá explicam o que faz uma pessoa subir ao topo
Débora Rubin
Aos 16 anos, ele já sabia o que queria
fazer da vida. A decisão veio logo após vencer 411 oponentes de 72
países e ganhar a Olimpíada Internacional de Matemática, competição mais
importante da disciplina no mundo. Não fez faculdade, pois concluiu o
mestrado ao mesmo tempo em que terminou o ensino médio, numa das
instituições de pesquisa mais reverenciadas do País, o Instituto
Nacional de Matemática Pura e Aplicada (Impa), no Rio de Janeiro. Aos 18
anos, começou o doutorado. Já publicou mais de 40 artigos em revistas
internacionais, sendo que vários deles nas três mais importantes
publicações do mundo – “Annals of Mathematics”, “Acta Mathematica” e
“Inventiones Mathematicae”. Antes dos 30 anos, já era considerado um dos
mais brilhantes matemáticos de sua geração. Desde então, seu passe é
disputado pelas melhores universidades do planeta. Atualmente, aos 31
anos, é diretor de pesquisa do Centre National de la Recherche
Scientifique, o CNRS, na França, pesquisador do Impa e um dos favoritos a
conquistar a Medalha Fields, equivalente ao Nobel da matemática, prêmio
concedido de quatro em quatro anos para o principal nome do setor no
mundo.
Analisada sob os mais diversos ângulos, a trajetória do matemático
carioca Artur Ávila é a de um vencedor nato. Ele subiu vertiginosamente
ao topo. E, mais importante, manteve se lá. Transformou talento em
sucesso, vontade em planejamento, insegurança em determinação.
Componentes da personalidade de pessoas que, nas suas áreas de atuação,
brilham mais do que as outras. Ao longo desta reportagem, ISTOÉ irá
contar a história de oito pessoas que, assim como Ávila, são muito
bem-sucedidas em suas áreas de atuação. Relatos inspiradores de
personagens à primeira vista bastante distintos, mas que têm muito em
comum. Psicólogos, neurocientistas e outros pesquisadores têm se
debruçado nos últimos tempos a estudar a personalidade de vitoriosos
como esses brasileiros. Não param de sair trabalhos acadêmicos sobre o
tema, a fim de dissecar em que eles são diferentes dos outros.
A primeira imagem que vem à cabeça quando pensamos em vencedores,
geralmente, está relacionada ao esporte. Nesse universo, não pairam
dúvidas sobre quem é o melhor. Ele está sempre em destaque, no mais alto
do pódio, com a medalha dourada exibida no peito. “Mas há mais
jogadores com talento para ser o melhor do mundo do que há vencedores”,
diz o americano Timothy Gallwey, 73 anos, pioneiro na técnica do
coaching, consultor de empresas como Apple e Coca-Cola e autor de vários
best-sellers que relacionam o triunfo no esporte ao mundo profissional.
Segundo o conceito do coaching, criado nos anos 70, todos podem ser
bem-sucedidos se quiserem. “Somos nós quem criamos boa parte dos nossos
problemas”, lembra Gallwey (leia entrevista completa no site da ISTOÉ).
Para ele, a diferença entre os vencedores e os outros é que os primeiros
se atrapalham menos e deixam seus talentos fluirem com mais
naturalidade. “Para fazer isso, no entanto, eles precisam vencer a
batalha contra o medo, a dúvida e a insegurança, que não são guerras
menores”, atesta o americano, que desenvolveu sua prática a partir de
uma experiência pessoal. Quando era professor, ele tirou um ano sabático
no qual se dedicou a ensinar tênis. Após um tempo como instrutor,
percebeu que estava ensinando do jeito errado. “Eu focava na técnica e
percebi que isso não dava resultado. Os grandes atletas não pensam que
vão acertar a bola, eles simplesmente acertam”, conta. A partir daí, o
consultor americano passou a dar diretrizes, não mais instruções, e os
alunos começaram a aprender. Mais do que isso, adaptou seu método, que
ele chama de jogo interno – em que o medo de perder, a dúvida, a falta
de concentração e o estresse são os maiores oponentes – para outras
situações do cotidiano. “São princípios básicos e adaptáveis.” Mas o
grande segredo, segundo o próprio Gallwey, é prestar atenção a si mesmo.
“Meu método se baseia na ideia de que é a partir do aumento da
percepção que temos de nós mesmos que conseguimos melhorar.”
A jogadora de futebol Marta venceu uma dúzia de batalhas antes de se
tornar cinco vezes a melhor do mundo. Venceu a pobreza extrema, o
abandono do pai, a distância dos grandes centros urbanos e o preconceito
de ser uma mulher num esporte masculino – inclusive entre a própria
família. Se tivesse deixado se convencer de que não tinha condição de ir
atrás do grande sonho, talvez ainda estivesse em Dois Riachos (AL),
onde nasceu, trabalhando em alguma atividade que lhe desse o sustento.
“Sempre tive em mente que seria jogadora profissional, não me via
fazendo outra coisa”, diz.
Diante da improvável história de sucesso de Marta, que triunfou na
aridez, fica a pergunta: o que separa os vencedores dos perdedores? Os
cientistas afirmam que vencer é um conceito interdisciplinar, que
envolve teorias sociológicas e psicológicas, questões econômicas e
químicas cerebrais. Os hormônios, por exemplo, são um componente
decisivo para a formação de um perfil bem-sucedido. Uma das linhas de
pesquisa do americano Pranjal Mehta, da Universidade de Oregon, é
desvendar a testosterona, também conhecido como hormônio da competição.
Em um estudo recente realizado na Universidade de Colúmbia, Mehta
descobriu que quem tem altos níveis desse hormônio briga melhor nas
disputas individuais. Já as pessoas com índices mais baixos tendem a
vencer nas disputas em grupo. “Muito provavelmente porque, em conjunto, é
preciso ser cooperativo, coisa que quem tem muito testosterona não é”,
acredita o pesquisador. O cientista da Universidade de Oregon também se
debruçou sobre a questão da liderança, uma característica presente no
perfil de um vencedor. Após realizar testes com dezenas de alunos do
curso de administração, Mehta descobriu que não basta ter apenas altas
doses de testosterona para ser uma pessoa dominante. É preciso também
que haja uma combinação equilibrada com o cortisol, o hormônio do
estresse. Quanto mais alta a quantidade desse último, mais ele inibe os
efeitos positivos do primeiro. “Os alunos com muita testosterona e pouco
cortisol eram os mais confiantes, calmos e, ao mesmo tempo,
dominantes.”
Se os hormônios têm uma participação relevante nas vitórias
particulares, seria possível alterá-los na busca de melhores resultados?
“Cerca de 50% da variação hormonal pode ser explicada pelos genes, mas
os outros 50% têm relação com fatores externos”, explica o pesquisador
americano. Por fatores externos, entenda-se fazer atividades físicas ou
dietas e até coisas um tanto insólitas, como assistir a cenas de sexo.
Os genes também têm seu papel nessa história. Num outro estudo,
conduzido pelo departamento de zoologia de Cambridge, os cientistas
constataram que a liderança tinha mais relação com o temperamento do
indivíduo do que com seus anos de estudo. Os líderes surgiam
naturalmente conforme as situações em que eles eram colocados nos testes
se apresentavam. A partir da pesquisa, os estudiosos definiram como
seria um líder: audacioso, questionador e extrovertido. Perfil de quem
gosta de correr riscos, muito comum entre empreendedores. É o caso do
gaúcho Arri Coser, que tornou sua churrascaria, a Fogo de Chão, um
negócio internacional (leia abaixo) ao emplacá-la no mercado americano. E
de Clóvis Souza, que nos anos 2000, mesmo sem entender nada de
internet, criou um dos maiores negócios online do País.
Ter uma motivação, externa ou interna, é outra característica em comum
entre pessoas vitoriosas. Um estudo conduzido por psicólogos da
Universidade Washington de St. Louis (EUA) mostra que, quando uma pessoa
sabe que existe uma compensação, ela fica muito mais concentrada.
Durante testes feitos com jogadores que apostavam dinheiro, toda vez que
uma nota de um dólar era mostrada, o córtex pré-frontal dorsolateral
dos participantes – que coordena a interação entre o controle cognitivo e
as redes neurais ligadas à motivação – entrava em ação. Nesse momento, a
concentração era total. Mas a recompensa pode ser traduzida em diversas
formas – medalhas, contratos, metas superadas. Para André Akkari, o
maior jogador de pôquer do Brasil, ela veio em montantes de dinheiro que
ele nunca tinha sequer sonhado durante sua infância pobre. Akkari tinha
30 anos, muitas dívidas e uma vida feita de negócios informais e
malsucedidos quando percebeu sua aptidão para o jogo. Hoje, é milionário
e uma referência no carteado. Para exercitar sua mente, ele participa
de pelo menos 30 torneios por dia ao mesmo tempo pela internet.
Para os especialistas em coaching, Akkari é um ótimo exemplo de que
as vitórias têm mais a ver com o cérebro do que com acaso e habilidades
físicas. “Vencer na vida é pura estratégia mental”, afirma o presidente
da Sociedade Brasileira de Coaching, Villela da Matta. O que fez o
jogador de pôquer programar sua mente para o sucesso, sem nunca ter
conhecido o coaching nem outra técnica similar? Ele é, segundo os
psicólogos, uma pessoa resiliente – alguém que consegue atravessar as
adversidades e construir um bem-estar em cima disso. Esse é um perfil
comum entre os vencedores. O vendedor de carros Michel Árabe, o maior do
Brasil, também redefiniu seu destino ao se ver desafiado pela
necessidade. Curiosamente, o vendedor Árabe, o jogador de pôquer Akkari,
a jogadora Marta e o empresário de internet Souza foram abandonados
pelo pai ainda crianças. “Como diria (Friedrich) Nietzsche, o que não
mata fortalece”, lembra o psicólogo clínico e neurocientista Julio
Perez. O que afeta negativamente a vida da maior parte das pessoas,
tornou os quatro mais perseverantes em suas metas. “Superação de
adversidades se relaciona diretamente com fortalecimento de caráter e
desenvolvimento de virtudes como a coragem, a justiça e a paciência.”
Carregadas com tintas épicas ou não, a trajetória dos vencedores costuma
fascinar os reles mortais, que mantêm os olhos pregados aos seus
movimentos. Como se colocássemos nossa própria felicidade em jogo quando
os vemos competir. Os cientistas dizem que admiramos tanto as pessoas
bem-sucedidas (e isso fica muito claro no mundo esportivo) porque, em
algum nível da estrutura cerebral, nos colocamos no lugar deles. Em 4 de
novembro de 2008, na noite da eleição presidencial americana, os
neurocientistas das universidades de Duke e Michigan ficaram colados a
um grupo de eleitores. Eles coletaram amostras de hormônio no momento do
fechamento das urnas e quando Barack Obama foi declarado vencedor. E
concluíram que os níveis de testosterona, o hormônio da competição, que
normalmente caem durante a noite, mantiveram-se altos entre os eleitores
de Obama. Já entre os que votaram em John McCain, houve uma queda. Os
pesquisadores aplicaram os mesmos testes em homens que assistiram a
partidas de futebol e basquete e o resultado foi o mesmo – altos níveis
de testosterona entre os torcedores dos times vencedores. Está
comprovado, então, que nos projetamos nas pessoas vitoriosas. Resta
aprender com elas a conhecermos nossos potenciais, não duvidar de nós
mesmos, e seguir adiante.
Colaboraram: João Loes e Rodrigo Cardoso
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