Mesmo
antes de ter o PSD aprovado pla Justiça, o prefeito paulistano muda a
configuração política nacional e vira um inesperado protagonista. Foto:
Olga Vlahou
Reprovado em seu governo por quase um terço da população, o prefeito
de São Paulo, Gilberto Kassab, é um enxadrista. Tanto que conseguiu
movimentar quase todo o tabuleiro político do País sem enfrentar as
urnas. Em seis meses, desde que Kassab decidiu abandonar o combalido DEM
e fundar o PSD, a configuração das forças políticas do Congresso
Nacional, de 18 estados e centenas de municípios tem mudado
profundamente. Opositores e parceiros concordam que o jogo de Kassab
desenhou um novo cenário político nacional: as forças do centro ganharam
corpo, enquanto a oposição encolhe a cada dia e a esquerda amplia suas
concessões.
A mudança só não foi ainda maior porque a nova legenda, mal saída das
entranhas de seu criador, corre o risco de não conseguir se legalizar
em tempo para a disputa eleitoral de 2012. Pelo calendário eleitoral, o
PSD precisa estar regulamentado até 7 de outubro. Neste caso, o partido
deve ser inflado por novas adesões. Caso contrário, vários políticos
sairiam em busca de outras agremiações que lhes garantiriam candidaturas
no ano que vem. De qualquer forma, a maior parte da nova estrutura
seria mantida, pois o foco principal é a disputa de 2014.
Na noite da quinta-feira 22, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE)
decidiu adiar para a terça 27 o julgamento do registro nacional do PSD. A
relatora do processo, Nancy Andrighi, aprovou o pedido, mas o ministro
Marcelo Ribeiro solicitou vistas. Para a relatora, as denúncias de
fraudes na montagem do PSD, que vão da troca de assinaturas de apoio por
alimentos à inclusão de eleitores mortos ou em duplicidade, devem ser
investigadas pelo Ministério Público Eleitoral com o partido
formalizado.
Sem o registro confirmado, Kassab limitou-se a comemorar o voto da
relatora em seu Twitter. O prefeito paulistano compreende que o xadrez,
em qualquer modalidade, não envolve sorte, mas estratégia e tática.
“Estamos trabalhando com as origens de dois campos muito distintos: o de
José Serra e o de Dilma Rousseff. Temos de cuidar muito para não errar e
acabar dividindo o partido”, analisa Kassab, enquanto explica as peças
do seu tabuleiro. Ele acredita ter ampliado o centro político, ao atrair
parte da ala centro-direita e se articular com a centro-esquerda.
Acusado pela oposição de não ser ideológico e lançar um partido para
abrir uma janela de oportunidades aos insatisfeitos em suas legendas,
admite: “Isso é verdade. Todas as pessoas que estiverem desconfortáveis
poderão sair para o PSD. Eu realmente tive a compreensão de uma
oportunidade e isso deu certo”.
Quanto ao fato de movimentar as forças políticas sem passar qualquer
ideário pelas urnas, ele arrisca: “Ora, só os 50 deputados federais que
reunimos devem representar no mínimo 50 milhões de eleitores. Os
políticos foram escolhidos nas urnas e podem se rearticular”. Kassab diz
ter decidido montar o partido quando percebeu que o DEM e o PSDB
encolheriam ainda mais na oposição, após a vitória de Dilma. Afilhado
político de Serra, procurou por ele para falar de sua estratégia. “Serra
me aconselhou a sair para o PSDB. Eu não quis. Não tenho falado com
ele, mas creio que hoje ele deve estar feliz com o meu caminho.”
O PT mostra, desde sempre, disposição para aceitar um novo aliado. O
ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho,
considera uma “evolução” integrantes do campo serrista seguirem com
Dilma. “Politicamente, Kassab e Serra se afastaram”, avalia. Para
Carvalho, mesmo antes de ser regulamentado, o PSD causou mudanças
importantes no cenário político. “Temos visto, por exemplo, líderes
importantes, como a senadora Kátia Abreu (ex-DEM), se deslocarem da
oposição. Para nós, isso é muito positivo. Ampliar o centro é também
ampliar o diálogo.” O futuro PSD, acredita o ministro, deu uma forte
demonstração à base ao apoiar a eleição da deputada Ana Arraes (PSB-PE),
mãe do governador Eduardo Campos (PSB-PE) para o Tribunal de Contas da
União: “Há uma nítida aproximação. Mas não haverá um enquadramento do
PSD”.
Tem sido cogitado na base que o futuro PSD ganhará um ministério.
Carvalho, que se encontrou com Kassab no domingo 17 em uma missa na
capital paulista, negou que uma vaga na Esplanada esteja em discussão no
momento, mas adiantou: “Em tese, se houver a reforma ministerial em
janeiro, não será possível descartar um espaço para o PSD”. Kassab
afirma que “provavelmente o partido vai querer ficar sem ministério”
para manter a independência, apesar da aproximação com o governo.
Mas no xadrez o rei não pode ficar em xeque. Por isso, a tática é não
incomodar muito os peemedebistas. “Nessa estratégia de ampliar o
centro, eu não toquei no PMDB. Somente em algumas situações regionais,
mas não podemos querer ocupar o campo deles”, adianta Kassab. Carvalho
demonstra igual preocupação com futuras tensões no bloco de apoio. “O
governo está na condição de observador e reafirma que a sua aliança
central, fora as coligações históricas, é com o PMDB.”
Os peemedebistas, na realidade, estão de orelhas em pé com a entrada
do PSD. “O PMDB não foi atingido nacionalmente e não tem nada contra o
Kassab. Perdemos alguns deputados, principalmente na Bahia, por
enquanto. Mas não vamos brigar. Agora, considero uma aberração um
partido que nunca teve um voto ter governadores, vices, uma bancada
fenomenal e poder ganhar até um ministério. Isso está errado”, afirma o
senador Valdir Raupp, presidente nacional da legenda.
Na avaliação de Raupp, caso não consiga registrar o partido antes de 7
de outubro, quando termina o prazo para os interessados em concorrer em
2012, “os aventureiros das próximas eleições terão de pular do barco”. O
que causaria novas mudanças regionais. “No plano federal, o jogo é mais
pesado, visa 2014 e para isso o prazo é suficiente. Já existe uma nova
configuração de forças.”
Para o presidente nacional do PSDB, Sérgio Guerra, Kassab poderá
perder o jogo, mesmo se conseguir o registro do partido: “Ele reuniu
descontentamentos em uma janela exclusiva. Por isso atraiu tanta gente. É
conjuntural. Mesmo se conseguir a legalização, o PSD terá diferenças
internas muito grandes”. Outro fator de risco na visão de Guerra é o
PMDB: “Como reflexo político, vemos que ele acaba por reduzir um pouco a
hegemonia do PT ao equilibrar o jogo com o PMDB”.
O balanço geral dos tucanos é de poucas perdas diretas. “Dez votos a
mais ou a menos não mudam muito nossa condição de minoria. Já o DEM vai
ficar reduzido, mas, por outro lado, ganhará maior nitidez”, avalia
Guerra.
Segundo o tucano, em São Paulo o sucesso político de Kassab
acompanhará o seu governo na cidade. Ele considera improvável que Serra
saia candidato a prefeito. “Não sabemos se haverá alguma conciliação,
porque desconhecemos das avaliações do Kassab.” Guerra entende que o
problema principal do PSDB não é exclusivo de São Paulo: “Precisamos de
uma renovação nos nossos quadros majoritários e não apenas de Serra,
Alckmin ou Aloisio. Precisamos de mais gente em todo o País”.
O senador José Agripino Maia, presidente nacional do DEM, fica
mal-humorado quando perguntado sobre o jogo político do antigo aliado.
“Prefiro falar do ponto de vista da legalidade, eu não faço avaliação
política do Kassab. A minha oposição é a do TSE e espero que a
legalidade valha. As oportunidades precisam ser iguais para todos, como
diz a lei.”
Kassab não consegue ainda contar com exatidão quantos deputados
estaduais, vereadores e prefeitos arregimentou, mas destaca números
importantes: 50 deputados federais, “dois ou três senadores”, dois
governadores (Santa Catarina e Amazonas) e seis vice-governadores
(Bahia, São Paulo, Rio Grande do Norte, Paraíba, Mato Grosso e
Tocantins). Também conseguiu fazer articulações e alianças em outros dez
estados. Na prática, isso significa que muitas forças políticas ligadas
a Serra, como Beto Richa (PR), Marconi Perillo (GO), Raimundo Colombo
(SC) e até Geraldo Alckmin (SP), se misturam indiretamente no PSD com as
de Dilma, por meio de Jaques Wagner (BA) e Marcelo Deda (SE), além de
Eduardo Campos (PE) e Cid Gomes (CE).
Alguns efeitos regionais começam a se evidenciar: na Bahia, a
debandada rumo ao PSD atingiu em cheio o DEM, do deputado federal ACM
Neto, e o PMDB do ex-ministro Geddel Vieira Lima. Os dois partidos
elegeram, juntos, 11 deputados, mas devem ficar com apenas seis. ACM
Neto não consegue sequer construir sua candidatura a prefeito de
Salvador. Em contrapartida, Wagner poderá chegar a uma hegemonia na
Assembleia Legislativa maior que a de Antonio Carlos Magalhães no auge
de seu poder, nos anos 90.
O PSD conseguiu se aliar a 18 dos 27 governadores. O arco de alianças
não tem limites: inclui o DEM, passa pelo PSDB e chega ao PMDB. “Não
vejo problema algum em fazermos alianças, inclusive com o DEM”, diz
Kassab. A legenda será “independente” em cinco estados, inclusive São
Paulo, e no Distrito Federal. Estará na oposição em apenas três. Entre
os 18 governadores, muitos tiveram participação direta na estruturação
do PSD. Eles cederam aliados, indicaram direções regionais e, ao mesmo
tempo, fortaleceram suas bases. Foi o caso da governadora do Maranhão,
Roseana Sarney (PMDB), do tucano Simão Jatene, governador do Pará, de
Cid Gomes, do Ceará, além de Deda, Wagner e Campos.
Em São Paulo, Alckmin tem afirmado que, provavelmente, o seu partido
será obrigado a disputar com o próprio vice-governador, Guilherme Afif
Domingos, ex-DEM, fundador do PSD. Alckmin pode ainda perder cinco
deputados de sua base que estudam aderir ao novo partido. Com isso, o PT
poderia ampliar seu reduzido poder de oposição e até viabilizar CPIs
contra o governo, medida inédita na Assembleia Legislativa de São Paulo
há 16 anos.
Alckmin teve de fazer mudanças no governo, dando cargos ao PP e DEM, e
disputa o PV e o PSB com Kassab. Regionalmente, Alckmin tem o apoio do
PSB, integrado ao seu governo, mas com a aliança de Kassab o partido
enfrentará pressões nacionais.
No Congresso, as mudanças têm sido cotidianas e crescentes, avaliam
as lideranças parlamentares. Na Câmara dos Deputados, o PSD reúne uma
bancada próxima a 50 deputados. O PSB tem 31 cadeiras. Com um plano de
ação conjunta, as duas legendas formariam um bloco de 81 deputados e
ficariam atrás apenas dos 86 do PT e à frente dos 80 do PMDB.
“Mesmo no Senado, onde a alteração numérica é muito
menor, houve um reforço significativo à base do governo. A senadora
Kátia Abreu, por exemplo, fazia uma oposição importante, significativa e
hoje há uma mudança de posicionamento. O senador Sérgio Petecão (AC),
também”, afirma o líder do governo no Senado, Humberto Costa (PT-PE).
Petecão alimentava uma briga com os Viana (o senador Jorge e o
governador Tião Viana), do estado natal e amplificava a oposição. Os
petistas do Congresso não se mostram preocupados com os possíveis
desgastes populares com a aproximação da base para o centro. Segundo uma
liderança da legenda, não é possível haver desgaste maior do que ser
apoiado por José Sarney e Fernando Collor.
No próprio berço de Kassab, a capital paulista, não há ainda
entendimento com a base aliada de Dilma. O prefeito conseguiu ampliar
ainda mais seu apoio na Câmara de Vereadores e extinguiu o antigo
“centrão”, que era pendular nas votações. O PSDB e o DEM perderam
vereadores para o PSD, o PV e o PSB. Kassab, em consequência, ampliou
seus apoios para as eleições de 2012. Ele conta atualmente com PDT, PSB,
PCdoB, PTB e PV, atingindo as bases tanto do PSDB quanto do PT.
No plano estadual, as conversas estão adiantadas. Em seu último
congresso nacional, em setembro, o PT deixou aberta a possibilidade de
alianças com o futuro partido de Kassab. O presidente estadual do PT,
Edinho Silva, disse que “no momento em que o PSD decide que é um partido
da base de apoio do governo, evidentemente abre espaço para que
possamos discutir como um partido aliado”.
A representatividade política e a capacidade do PSD de reduzir a
hegemonia do PMDB e do PT não deixam mais dúvidas. A gritaria da
oposição e os recursos jurídicos poderão adiar o jogo ou até
inviabilizar sua participação nas eleições de 2012. Mas não há como
impedir sua entrada na cena nacional.
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