Guto Cassiano
Citado nominalmente por Dilma e Serra, Deus deveria ser convidado a tomar parte do debate sucessório. Só Ele pode esclarecer certas dúvidas.
Num cenário em que há muitos pecadores e nenhum ateu, ninguém haverá de duvidar da palavra do Altíssimo.
Mesmo que alguém duvide, não haverá quem se anime a desmentir o Todo-Poderoso. Por quê?
A boataria que compõe a infantaria da internet não inclui portarias, entrevistas ou depoimentos do Padre Eterno no Youtube.
Enquanto Deus não comparece para pôr ordem na algaravia que ameaça a reputação que Ele demorou tantos anos para construir, resta tentar desmontar a farsa.
Em artigo levado às páginas desta quarta (13), o repórter Eli Gaspari, como que iluminado por Ele, evidencia a insensatez do sermão dos presidenciáveis.
Vai abaixo o texto de Gaspari:
“Dilma Rousseff e José Serra subiram o tom no primeiro debate. Nele houve mais vapor do que energia, mas se a baixaria mútua das volantes dos candidatos sair da agenda, todos terão a ganhar.
É pedir muito, mas vale o registro: o dólar está a R$ 1,66 e a palavra câmbio não foi pronunciada. O real valorizado corrói a competitividade dos produtos brasileiros. Mais um pouco e retorna-se ao delírio do dólar tucano, quando se comprava manteiga francesa baratinha nas boas casas do ramo, como durante a República Velha.
O dólar está a preço de banana porque a economia brasileira atrai investidores estrangeiros, muitos do quais vêm para cá buscar os juros lunares que Nosso Guia paga.
José Serra é um veterano crítico dessa política e pode-se supor que Dilma Rousseff também não goste dela, mas nenhum dos dois toca no assunto porque temem sua complexidade e a antipatia da banca.
Ambos são economistas e sabem o que fazem, mas devem refletir sobre o risco que correm. No fim do mês, contados os votos, alguém poderá perguntar ao vencedor:
‘Você tocou na questão do câmbio?’
‘De passagem’.
‘E discutiu a fundo o quê?’
Serra: ‘O aborto’.
Dilma: ‘A privataria do Fernando Henrique’.
Indo-se a outro tema, podem apresentar seus projetos de reforma política. Tanto Dilma como Serra querem mudar o quadro partidário e o sistema eleitoral, mas, por conveniência, não tocam no assunto.
Dilma Rousseff já disse que pretende instituir o voto de lista. Ele fortalece os partidos (ou suas burocracias) e retira ao eleitor o direito de votar nominalmente num candidato a deputado.
Serra nunca tocou no assunto, mas há uma forte corrente no tucanato que simpatiza com a ideia. Seu xodó é o voto distrital. Essa modalidade de manifestação é como a feijoada, tem de tudo. Distrital simples? Com quantos candidatos? Distrital misto? Com lista aberta ou fechada? Que tal o distritão? Nele cada estado forma um grande distrito e é eleito quem tem mais votos, sem transferências. Vale o registro de que o voto distrital pode ter muitos defeitos, mas não produz Tiriricas.
Na eleição americana de 1992 o marqueteiro James Carville (‘É a economia, estúpido’) proibiu Bill Clinton de pronunciar a palavra ‘infraestrutura’. Serra e Dilma adoram-na.
Qualquer problema está relacionado com a tal de ‘infraestrutura’ e qualquer solução, também. No entanto, nenhum dos dois se detém no mais ambicioso e caro projeto de obra colocado na agenda nacional.
Trata-se do trem-bala que ligaria o Rio de Janeiro a Campinas. Pelo último cálculo, custaria R$ 34,6 bilhões, ervanário equivalente ao preço das hidrelétricas de Santo Antônio, Jirau e Belo Monte, mais boa parte da obra de transposição do Rio São Francisco.
Serra não gosta do projeto. Dilma, por seu lado, defende a iniciativa desde a época em que, entregue a uma estatal loteada, a Valec, o trem-bala era uma girafa com tromba de elefante.
Nosso Guia quer leiloar a obra em dezembro. Seja o que Deus quiser.
Talvez nenhum desses temas caiba numa resposta de dois minutos, mas os dois candidatos dispõem de outros meios para mostrar que são capazes de discuti-los".
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