DIÁRIO POLÍTICO DE FEIRA NOVA

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segunda-feira, 18 de outubro de 2010

RESPOSTA A TÂNIA BARCELAR - Blog Inaldo Sampaio


Sobre artigo da economista Tânia Bacelar publicado neste blog, intitulado “o voto do Nordeste – para além do preconceito”, o economista Sérgio Buarque, irmão do senador reeleito Cristovam Buarque, lhe enviou a seguinte carta:

Querida Tânia

Com o enorme respeito e carinho que tenho pela grande intelectual e amiga, manifesto algumas dúvidas e outras poucas divergências em relação à sua mensagem sobre o voto no Nordeste (mesmo correndo o risco de ser incluído no rol dos “intelectualóides”, de que fala Valdeci com o que, tenho certeza, você não concorda).

1. O preconceito e, mais do que isso, o desconhecimento do Nordeste está evidente em todos os candidatos do Sul e do Sudeste; Dilma deixou patente este preconceito com o ato falho “os nordestinos migram para o Brasil”. Podem considerar que eu sou preconceituoso em relação aos pobres, mas eu entendo, pensando como técnico, que quanto mais pobre e marginalizada a população mais se manifesta a “preferência pelo curto prazo”, ou seja, uma visão imediatista das decisões. Não por que sejam ignorantes, mas não se pode esperar que um pobre prefira uma estratégia de longo prazo quando está brigando pela sobrevivência no dia-dia. Não se trata de saber ou não votar, se trata de expressar no voto seus interesses e sua visão de mundo, da mesma forma que os empresários; estes tendem a pensar num horizonte mais longo mas cabe mesmo aos intelectuais e técnicos pensarem o longo prazo e tentarem convencer os eleitores da estratégia de futuro. Isso quer dizer, Tânia, que nós técnicos não nos manifestamos na política por interesse pessoal (pelo menos, não principalmente), mas por uma visão de mundo que incorpora muitas variáveis e prazos diferentes de maturação e resultados no tempo.

2. Em relação ao programa Bolsa Família, entendo que nenhum presidente pode mexer neste instrumento mas eu, pessoalmente, acho muito discutível distribuir R$ 12 bilhões para 12,6 milhões de famílias que, numa conta simplista, representa uma doação de cerca de R$ 15 per capita por mês. Muito pouco para mudar a vida de alguém, mas bastante para influenciar no voto com a preferência pelo curto prazo e a lealdade ao doador de quase 60 milhões de pessoas. Vale lembrar ainda, Tânia, que 50% das bolsas são distribuídas no Nordeste, beneficiando cerca de 41% das famílias nordestinas. Tenho dito, e acabei de mandar um artigo para o JC dizendo, que o Bolsa Família não enfrenta as causas da pobreza, apenas ameniza (e muito pouco) o sofrimento dos pobres. É com uma radical estratégia na educação fundamental que se enfrenta as causas da desigualdade social e regional; o governo Lula fez um bocado de coisa para o ensino superior mas quase nada na educação fundamental, precisamente onde está a diferença (mas esta é uma estratégia de longo prazo e lenta maturação que não toca os corações dos eleitores). Números: enquanto o Bolsa Família distribui R$ 12 bilhões por ano, o orçamento do FUNDEF/FUNDEB para 2009 foi de apenas R$ 5 bilhões.

3. Com a tímida atuação no ensino fundamental, provavelmente considerando que isto é responsabilidade dos Estados e Municípios, o governo Lula fez muito pouco no combate às fontes primárias das desigualdades sociais, que reside na dramática distância de qualidade entre as escolas públicas e o ensino particular. Esta desigualdade se manifesta também no plano regional, na medida em que os indicadores de educação do Nordeste são muito inferiores aos das outras regiões. Dado contundente: o IDEB 2009 do Nordeste (anos iniciais) foi de 3,8 enquanto o do Sudeste alcançou 5,3; pior, a meta definida pelo INEP para o Nordeste em 2021 foi de 5,2 (abaixo do índice do Sudeste em 2009). Convém lembrar que, quando ministro, Cristovam pretendia orientar o Ministério da Educação para o ensino fundamental (como fez, em certa medida, Paulo Renato, gerando o ódio dos professores universitários); Cristovam foi demitido e esta orientação abandonada. Aqui cabe, de passagem, uma interrogação: que eu saiba o Instituto de Neurociências da região metropolitana de Natal foi criado por Miguel Nicolelis numa iniciativa pessoal e com recursos externos e não pelo governo Lula.

4. O PAC que, na minha visão, é uma marca de fantasia para os projetos do PPA, tem uma concepção de integração competitiva tanto quanto os Eixos Estratégicos de Fernando Henrique Cardoso, distribuindo grandes projetos de infra-estrutura em todo o Brasil; acho um grande avanço. Concordo com você que a introdução no PAC dos projetos da Transnordestina e da Transposição do São Francisco representam um ganho importante para o Nordeste, também pensando em eixos de integração. Diga-se de passagem, que vários dos amigos que defendem hoje estes programas criticaram duramente a Transposição do São Francisco enquanto eu, que não votei em Lula, defendia como uma infra-estrutura hídrica estruturadora.

5. Claro que o governo Lula tem méritos (pra não dizer que não falei de flores): o primeiro, incomodando à grande maioria da chamada esquerda, foi dar continuidade à política macro-econômica de Fernando Henrique Cardoso (no superávit primário foi mais duro que o liberalismo poderia desejar, e foi corretíssimo); e deu continuidade também a alguns projetos, embora sempre dizendo que tinha “inventado a roda”, como o PRONAF, criado no governo de Fernando Henrique Cardoso. O segundo, mesmo com algum risco fiscal, foi o aumento real de salário mínimo (que já vinha de antes, embora numa escala bem moderada); este aumento foi muito mais importante para elevação da renda e do consumo (junto com o crescimento da economia) que, desculpe a expressão, as migalhas do Bolsa Família (estudo de Marcelo Neri mostra isso). Terceiro, foi a política industrial no segmento naval implementada pela Petrobras favorecendo compras internas; de qualquer forma, Tânia, excetuando este, o restante dos investimentos produtivos de peso no Nordeste, particularmente em Suape não foram mérito do governo Lula, muito menos de Eduardo Campos; a Refinaria, por exemplo, já estava sendo negociada desde muito antes, incluindo o envolvimento da PDVSA que, mesmo não se viabilizando, foi importante para sua implantação no Estado.

6. Em relação ao crescimento e à industrialização do Nordeste, o que os dados parecem mostrar é que, excetuando o moderno parque industrial em torno de Suape, os investimentos industriais no Nordeste tendem a se concentrar nos segmentos com menor base tecnológica; provavelmente, por isso, o emprego cresceu mais no Nordeste. Embora tenha esse lado positivo, pode configurar uma nova divisão de trabalho regional, com as atividades com densidade de conhecimento e maior valor agregado ficando com o Sudeste.

7. Os dados que tenho do PAC (material para imprensa divulgado em 2007 para o período 2007/2010) mostram que o Nordeste receberia 16% do total dos recursos (pouco mais do que a participação da região no PIB brasileiro) mas contaria com apenas 12,7% dos investimentos em infra-estrutura e logística (pouco menos que a participação regional na economia brasileira). Portanto, não se configura uma aplicação diferenciada no Nordeste na infra-estrutura; além disso, Tânia, para alterar a posição do Nordeste na economia nacional, a região deveria receber bem mais do que sua participação no PIB; na verdade, tem havido uma reivindicação para que a União distribua recursos nas regiões em proporção às participações delas na população brasileira, o que levaria o PAC a distribuir para o Nordeste 28% dos recursos do PAC, muito mais do que, efetivamente, destinou.

Para concluir, minha amiga querida, eu voto em Serra, mesmo entendendo que ele não tem mais compromisso com o Nordeste nem menos preconceito do que Dilma. Na verdade, Tânia, eu voto contra a hegemonia de Lula. Não acho que o seu governo foi ruim e negativo, principalmente porque deu continuidade à política macro-econômica, garantindo 16 anos de estabilidade econômica. Mas entendo que o lulismo, com o personalismo populista, com a mistura do público com o privado, com a visão personalista do Estado, representa um grande prejuízo e retrocesso político para o Brasil. Lula conseguiu até descaracterizar o PT, um dos poucos partidos estruturados e ideológicos do Brasil, se posicionando “acima do bem e do mau”. Considero Serra um grande político e executivo competente e com uma visão estruturadora do desenvolvimento, muito mais qualificado que Dilma para os desafios e as oportunidades que o Brasil terá pela frente no futuro.

Sei que nossas divergências não alteram em nada nossa amizade e respeito mútuo, assim como o respeito que temos pelos interlocutores que pensam diferente e que não tentam desqualificar os críticos, mesmo quando criticam o mito Lula.

Grande abraço,

Sergio C. Buarque

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