Ao assumir nesta segunda-feira a presidência do Tribunal de Contas, a conselheira Teresa Duere declarou que sempre foi “patrulhada” por sua militância política.
“Da memorável militância no Movimento Cristão Popular ao lado de Dom
Hélder Câmara, até a minha última atuação parlamentar (como deputada
estadual pelo PFL). Fui rotulada à esquerda e à direita, de acordo com
as miopias do momento. Essas vivências me ensinaram a procurar ficar
sempre à frente do meu tempo”, disse ela. Abaixo, a íntegra do seu
discurso:
1 - Há nove anos assumi as funções de Conselheira do Tribunal de
Contas do Estado com a responsabilidade adicional de ser a primeira
mulher a tomar assento no Colegiado Superior. Naquela ocasião, julguei
que minhas quatro décadas de militância política e profissional haviam
atingido o ápice e que aquela honra era o reconhecimento máximo de uma
trajetória sempre reta e dedicada à vida pública.
2- Não imaginava sentir emoção semelhante ao iniciar esta nova
missão, ainda mais desafiadora e emérita. Ao tomar posse na Presidência
desta Casa, tenho consciência do desafio que enfrentarei. A solenidade
da cerimônia é compatível com a história e a respeitabilidade do
Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco. No momento, os necessários
ritos formais não ofuscam a amizade fraterna e o companheirismo
existentes aqui.
3- O fato de ser a primeira mulher a assumir a Presidência do TCE não tem apenas um
valor simbólico. É também a consequência prática da busca pela
igualdade em uma sociedade historicamente comandada, em todos os
setores, pelos homens. A mulher, tendo percepção mais intuitiva sobre o
mundo, pode contribuir para a aplicação mais equilibrada e reveladora
das leis. É uma responsabilidade adicional pela singularidade momentânea
e pelo pioneirismo do fato. Entretanto, não me assusta, nem é estranho
abrir caminhos.
4- Sempre fui patrulhada por extremismos políticos de todos os
matizes; da memorável militância no Movimento Cristão Popular ao lado de
Dom Helder Câmara, até a minha última atuação parlamentar. Fui rotulada
à esquerda e à direita, de acordo com as miopias do momento. Essas
vivências me ensinaram a procurar ficar sempre à frente do meu tempo.
5- Não tenho a intenção deliberada de quebrar tabus ou subverter
paradigmas. Se isso ocorre em algumas situações, é consequência da
ousadia de inovar e da capacidade de renovar-me. São características
pessoais permanentes.
6-A essência da democracia como sistema político reside na
separação e independência dos poderes fundamentais do Estado, bem como
no seu exercício em nome do povo e por meio de instituições fortes e
maduras. Mais do que um regime político, ela é forma de organização da
sociedade e de convivência harmônica dos centros de poder e decisão.
7 – Desde o seu surgimento, na antiguidade clássica, o ideal
democrático – aspiração dos homens e dos povos em assumir seu destino
coletivo e sua responsabilidade política – manifestou-se de muitas
maneiras. Como realidade, todavia, só a partir do final do século
dezoito, com a independência dos Estados Unidos em 1776 e o triunfo da
Revolução Francesa, em 1789, surgiram as modernas democracias.
8- No Brasil constatamos o avanço do sistema e o seu
aperfeiçoamento, ainda que com alguns períodos críticos, especialmente o
Estado Novo entre 1937 e 1945 e o decorrente do movimento
político-militar de 1964. No sistema democrático, a obrigação do Poder
Executivo em cuidar da administração do Estado e garantir o cumprimento
da lei não prescinde do Poder Legislativo plural e forte que se
concretiza na instituição parlamentar.
9- Mas é incompleta, no entanto, se não existir com um Poder
Judiciário também forte e atuante. O pleno exercício desse poder é um
pilar da democracia pelas suas funções imprescindíveis de árbitro entre o
legislativo e o executivo nos conflitos de jurisdição, bem como de
intérprete dos dispositivos legais e salvaguarda do cidadão.
10- Os Tribunais são a autoridade judiciária que aplicam a
justiça, a lei e as normas em nome do povo. O Tribunal de Contas, como
corpo da magistratura intermediária e autônomo face aos Poderes
Executivo e Legislativo, tem função fundamental no organismo
constitucional, na medida em que suas atribuições de análise, revisão,
julgamento e treinamento de gestores públicos são independente daqueles
poderes .
11- Isso lhe confere o atributo de promover a boa funcionalidade,
a consistência e o equilíbrio entre os entes públicos o que, em última
instância, avaliza sua atuação como instrumento de fortalecimento e
aprimoramento da democracia.
12- Vivemos, sim, um momento de plenitude democrática. Salve! Mas
não podemos nos acomodar com isso. Preocupam-me a busca da unanimidade
de pensamento, a manipulação de opiniões, a fraqueza das manifestações
de quem pensa diferente e as eventuais tentativas de ingerências
indevidas.
13- Preocupam-me as iniciativas que surgem, aqui e acolá, de
“regular a imprensa”. Preocupam-me opiniões equivocadas de que a atuação
dos órgãos de controle e dos Tribunais de Contas “tolhem o
desenvolvimento” e “atrapalham” a ação de governos. Em última análise,
essas não são posturas republicanas.
14- Pernambuco nunca se curvou e continua com altivez, dando
exemplos para o Brasil. Aqui criamos instrumentos de controle que
previnem dano ao erário e que, acolhidos plenamente pelo Executivo,
resultam em ações conjuntas para o obtenção da boa aplicação do dinheiro
público.
15- Tenho uma visão de política em que arranjos de conveniências
devem ser práticas implacavelmente condenadas e abolidas. A ação
política e gerencial aceita pelo povo é subordinada à ética e à
decência. Nela estão presentes a transparência, o controle da sociedade e
o compromisso com a eficiência.
16- O povo clama por ética e honradez. Honra não é palavra
inventada para inflamar discurso; não é qualificação adquirida, mas
obrigação de qualquer dirigente ou representante público. Defendo a
intransigência nos princípios e a tolerância na convivência. Alguns
princípios que distinguem o bem do mal antecedem o Direito Romano, onde
as bases jurídicas de convivência humana foram sedimentadas e ainda hoje
vigem na sociedade.
17- A filosofia aristotélica já expunha a indispensabilidade da
ética e o seu valor intrínseco ao próprio humanismo, há 350 anos antes
de Cristo. Por outro lado, exercitar a tolerância no convívio é uma arte
que exige largueza e espírito de renúncia. Em complemento a isso, é
salutar e devem ser incentivadas a luta pelo exercício da cidadania e a
busca pela convergência.
18- Esta é uma casa de excelência. Nosso quadro técnico é uma
referência nacional e tem a dinâmica do aperfeiçoamento permanente. Não
vamos permitir acomodações. Serei rigorosa como de hábito, mas tenho a
humildade que a experiência recomenda. Recuso a irresponsabilidade como
bússola e o quixotismo como estandarte. Não confundo discordância com
ultimato, nem lealdade com subserviência.
19- Lealdade é um valor praticado entre companheiros, mas há uma
forma de lealdade que se sobrepõe a todas: como primado, a lealdade a si
mesmo; como consequência, à lisura e aos princípios universais. Tenho
compromisso com a meritocracia para as ascensões funcionais e isto
implica na busca obstinada da ética e da eficiência, na ação direta e na
gestão. Novos tempos requerem ousadia e audácia, mas também paciência e
espírito conciliatório.
20- Serei accessível e aberta ao diálogo, mas firme e decidida na
defesa do interesse público e dos objetivos do Tribunal. Minha gestão
buscará encontrar ferramentas jurídicas que garantam o cumprimento das
decisões do Pleno do TCE. É importante que o julgamento político feito
pelas Câmaras de Vereadores, seja respeitado, conforme determina a
Constituição.
21- Entretanto, é fundamental que os vereadores motivem,
justifiquem seus votos, revelando as razões que os levam a rejeitar ou
aprovar as contas dos chefes do executivo. Para tanto, as Câmaras de
Vereadores devem se valer de suas assessorias jurídicas e contábeis.
Numa outra linha de ação estratégica, criamos novos instrumentos para
que este Tribunal se aproxime mais da sociedade. O povo precisa conhecer
a instituição porque os resultados concretos das nossas decisões se
refletem na vida da população.
22- No instante em que assumo esta imensa responsabilidade, peço a
Deus que ilumine meus caminhos e que me faça ter sempre presente os
ensinamentos bíblicos de que “tudo quanto te vier à mão para fazer,
faze-o conforme as tuas forças porque no além para onde tu vais, não há
obra, nem projetos, nem conhecimento, nem sabedoria alguma. Muito
obrigada”.
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